Ameaças silenciosas para os gatos
Doenças sem cura, Aids e Leucemia felina exigem tratamento adequado com especialista.
Peter Parker, para quem ama o universo dos super-heróis, pode ser apenas o alterego do famoso homem-aranha. Para o casal, Jessica Aparecida Corazza e Eder Aparecido Sbrissa Junior, além da referência, representa a lembrança de um amor insubstituível: um gatinho de estimação.
Mas, assim como todo super-herói tem um ponto fraco, o gato Peter Parker também teve um. O mal silencioso, consequência de um diagnóstico positivo para FIV e FeLV (vírus da Aids e Leucemia felina), fez da sua partida um mo-mento repentino, precoce e de dor aos tutores.
“É difícil falar dele sem me emocionar, porque só quem perdeu um animal que ama tanto vai entender a dor”, conta Jéssica. “Eu nunca gostei de gatos, mas o Peter me fez mudar totalmente esse conceito. Nunca vai ser apenas um gato, ele era diferente”, completa Eder.
Resgatado em 2018 após ser abandonado, o encontro entre animal e tutores foi amor à primeira vista. Jéssica conta que Peter sempre foi um gato tranquilo. A desconfiança de que havia algo diferente veio cerca de dois anos após a adoção, ao percebê-lo mais retraído, diferente do normal. Ao levá-lo a um veterinário, foram feitos exames e testes que deram o diagnóstico positivo para as doenças.
Embora não seja possível identificar apenas observando sintomas, Vanessa Zimbres, médica-veterinária especializada em medicina felina e proprietária da Clínica Gato é Gente Boa, localizada em Itu-SP, explica que alguns comportamentos favorecem a transmissão do vírus. “Fazemos uma associação, dizendo que a Aids felina é a doença dos gatos inimigos e a Leucemia dos amigos, pois a contaminação da Aids acontece, principalmente, por mordidas, sangue, briga e arranhaduras. Já a Leucemia, por saliva, quando os gatos se higienizam entre si”, associa.
Entre as consequências da doença, estão a queda do sistema imune, uma vez que ambos os vírus causam imunossupressão. “No caso da leucemia viral, o vírus tem a capacidade de invadir a medula óssea e desenvolver tumores”, explica.
Além disso, os subtipos dos vírus podem atingir diferentes locais. “Além da possibilidade de invadir a medula óssea ocasionando quadros de anemia, imunossupressão e baixa de leucócitos, alguns subtipos podem levar ao desenvolvi- mento de linfoma, causando problemas nos órgãos, o que impacta na sobrevida do animal”, alerta.
A veterinária complementa dizendo sobre o perfil que tende a ser mais acometido pelos vírus. “É mais comum em gatos machos, mas independentemente da raça, sexo ou idade, qualquer animal pode se contaminar, se tiver contato com o vírus. O que varia é o sintoma, em alguns mais graves, em outros não, mas como ela não tem cura, acaba se desenvolvendo e levando o animal a óbito. Mas essa doença é específica de gatos, não passa para humanos e nem para animais de outras espécies”, explica.
Doença silenciosa
Com o diagnóstico positivo para FIV e FeLV do Peter, além de providenciar os cuidados necessários para garantir uma qualidade de vida ao bichinho, uma nova preocupação surgiu para Jéssica: a possível contaminação de sua outra gatinha, Mary Jane, companheira de Peter.
“Fui vacinar ela depois do diagnóstico positivo do Peter. Fiquei desesperada, imaginei que ela fosse positiva e eu ia me sentir muito mal. O primeiro profissional que me atendeu disse que eu não poderia ficar com os dois”, conta. “Basica-
mente ele nos deu duas opções: doar a Mary Jane ou sacrificar o Peter”, relembra Eder.
Após o teste negativo da gatinha Mary Jane, o casal buscou uma profissional especializada em felinos. “O tratamento foi totalmente diferente, refizemos os testes e os resultados foram os mesmos. Diferente do outro profissional, me senti mais tranquilizada e recebi as devidas orientações para tratar os sintomas e dar uma qualidade de vida melhor para o Peter”, destaca.
“Como ele tinha a imunidade muito baixa, não podíamos fazer nada que o deixasse estressado, para que os sintomas não se manifestassem. Certa vez, ele pegou fungos e fizemos o tratamento com a Dra. Vanessa. Até roupinha ele usou para evitar que se espalhasse”, explica Eder.
O problema com o fungo foi resolvido, Peter passou a ser acompanhado periodicamente e estava bem, mas, em abril de 2021, ele teve um mal súbito e precisou ser socorrido às pressas, mas não resistiu e veio a óbito.
Vanessa, que pôde cuidar do Peter durante um tempo, reforça a importância de se buscar um especialista para o tratamento adequado. “Por sermos uma clínica exclusiva para gatos, recebemos tutores que chegam frustrados, com os gatinhos já com a doença avançada e muitas vezes não tem o que fazer.
O clínico tem que conhecer as limitações e saber quando pedir o teste, se for feito no momento errado, ele vai dar um falso diagnóstico negativo”, diz.
Para que a informação chegue a mais pessoas, Vanessa encabeça uma campanha de conscientização sobre as doenças ocasionadas pelo vírus FIV e FeLV. “São doenças silenciosas que a gente só confirma com testes. O fato de o gato ser positivo para o vírus não significa que irá desenvolver a doença. O objetivo é ter um diagnóstico precoce, testar e examinar o quanto antes. É uma doença que não tem cura. Se o animal já está desenvolvendo um quadro de imunossupressão, nós nutrimos esse animal, evitamos o estresse e o desenvolvimento de doenças secundárias e oportunistas, uma vez que o sistema imune está debilitado”, afirma.
Informação passada adiante
Após passar pela situação delicada de ver Peter partir, Jéssica e Eder usam a própria experiência para compartilhar e passar o conhecimento adquirido a outros tutores de gatos, para que ninguém passe pela mesma situação. “Sou a favor da criação em ambiente fechado. Minha casa é telada e eu ressalto para todo mundo que tem gato a importância de conhecer o seu animal e que uma mudança na rotina já pode ser um alerta, porque eles não demonstram a doença e, quando demonstram, é sinal que às vezes já não dá mais tempo”, orienta Jéssica.