Você já percebeu seu cão ou gato andando em círculos sem motivo, esquecendo comandos simples ou até parecendo desorientado dentro da própria casa? Esses comportamentos podem não ser apenas sinais da idade, mas indícios de uma condição pouco falada: a síndrome da disfunção cognitiva – conhecida popularmente como “Alzheimer dos pets”.
Assim como acontece nos humanos, cães e gatos também podem desenvolver alterações neurológicas ligadas ao envelhecimento, resultando em perda de memória, mudanças comportamentais e até declínio das funções cognitivas. Mas a boa notícia é que, com estratégias como modulação intestinal, nutrição funcional e nutracêuticos específicos, é possível trazer qualidade de vida e retardar a progressão da doença.
- O que é o Alzheimer em pets?
O termo técnico é síndrome da disfunção cognitiva (SDC). Trata-se de um processo neurodegenerativo em que há morte progressiva de neurônios, formação de placas de beta-amiloide e estresse oxidativo no cérebro. O resultado disso é um declínio nas funções cognitivas, emocionais e comportamentais do animal.
A incidência aumenta em cães e gatos a partir dos 7-8 anos, mas costuma ser mais evidente após os 10 anos. Estudos mostram que até 40% dos cães idosos podem apresentar algum grau da síndrome.
- Principais sinais e sintomas
Identificar cedo os sinais é fundamental para oferecer um suporte adequado. Alguns dos sintomas mais comuns incluem:
• Desorientação espacial: o pet se perde em lugares conhecidos, fica preso em cantos ou atrás de móveis.
• Alterações no ciclo sono-vigília: passa a noite acordado, vocalizando, e dorme excessivamente durante o dia.
• Perda de memória: esquece comandos, hábitos de higiene ou não reconhece pessoas próximas.
• Comportamentos repetitivos: andar em círculos, latir ou miar sem motivo aparente.
• Ansiedade e irritabilidade: mudanças de humor, maior apego ou, ao contrário, isolamento.
• Incontinência urinária e fecal: perde o controle mesmo já sendo treinado.
Esses sinais muitas vezes são confundidos com “apenas velhice”, mas podem indicar um quadro de disfunção cognitiva.
- A relação intestino-cérebro: um aliado no tratamento
Pesquisas recentes apontam a íntima conexão entre a saúde intestinal e o cérebro – o chamado eixo intestino-cérebro. A microbiota intestinal saudável contribui para: • Produção de neurotransmissores como serotonina e GABA. • Redução da inflamação sistêmica que agrava o Alzheimer. • Modulação do sistema imunológico, prevenindo neuroinflamação.
A microbiota intestinal — o conjunto de micro-organismos que vivem no trato gastrointestinal — exerce papel fundamental em muitos processos fisiológicos, entre eles: • produção de metabólitos (como ácidos graxos de cadeia curta — SCFAs), • modulação do sistema imunológico, • manutenção da integridade da barreira intestinal (“intestinal barrier”), • comunicação bi‐direcional entre intestino e cérebro (o eixo intestino-cérebro).
Quando há disbiose intestinal (desequilíbrio das bactérias benéficas), aumenta a permeabilidade intestinal e, consequentemente, o risco de inflamação crônica, impactando diretamente a saúde neurológica.
• Aumento da permeabilidade intestinal – Com disbiose, há geralmente diminuição de bactérias benéficas e aumento de bactérias que estimulam inflamação. Isso pode levar a que toxinas microbianas (por exemplo LPS — lipopolissacarídeo) e produtos inflamatórios entrem na circulação.
• Inflamação sistêmica e neuroinflamação – Os produtos inflamatórios que escapam do intestino podem ativar microglia no cérebro, glio‐inflamação e induzir estresse oxidativo, favorecendo acúmulo de beta-amiloide e disfunção sináptica.
• Metabólitos que afetam o cérebro – SCFAs como butirato, acetato e propionato, produzidos por certas bactérias benéficas, têm papel protetor: nutrem células do intestino, ajudam a regular o sistema imunológico, mantêm a barreira intestinal, modulam a barreira hematoencefálica, e podem afetar diretamente neurotransmissores ou expressão gênica no cérebro. Se essas bactérias benéficas diminuem, os efeitos protetores se perdem.
• Alterações na produção de neurotransmissores ou precursores – Algumas bactérias participam da síntese ou regulação de precursores de neurotransmissores (por exemplo triptofano, que dá origem à serotonina). Disbiose pode alterar esse conjunto de vias.
• Interação com o risco de deposição de amiloide, funcionamento mitocondrial, estresse oxidativo, etc.
Para cães e gatos, embora haja menos estudos do que em humanos ou em modelos experimentais de roedores, os mecanismos teóricos são parecidos: conforme envelhecem, as mudanças na microbiota ocorrem, favorecem inflamação, perda da função da barreira intestinal, e isso contribui para declínio cognitivo observado como síndrome da disfunção cognitiva.
“Gut Microbiome Composition is Associated with Age and Memory Performance in Pet Dogs” (Kubinyi et al., 2020)
Analisaram 29 cães domésticos (“pet dogs”) de várias idades; realizaram testes de memória de curto prazo e coletaram amostras fecais desses cães para análise da microbiota via sequenciamento 16S rRNA.
Principais achados: Os cães mais velhos tinham menos Fusobacteria na microbiota intestinal. Cães com melhor desempenho no teste de memória (ou seja, menos erros) apresentavam menor proporção de Actinobacteria nas fezes. As bactérias dominantes nos cães analisados incluíam Bacteroidetes, Firmicutes e Fusobacteria, cada uma representando mais de 20% da comunidade bacteriana total.
Esse trabalho mostra correlações claras entre composição intestinal, envelhecimento e desempenho cognitivo em cães. Embora não seja um ensaio de intervenção (não provaram que mudar a microbiota melhora a memória), fornece evidência de que alterações microbianas acompanham o declínio cognitivo. Isso abre caminho para estratégias terapêuticas que visem a microbiota.
“Associations Between Memory Performance and Bifidobacterium pseudolongum Abundance in the Canine Gut Microbiome” (2024)
Em filhotes de cães , avaliaram desempenho de memória de curto prazo, sequenciaram a microbiota intestinal, e tentaram identificar quais micróbios estavam associados a melhor memória.
Impactos: Encontraram que Bifidobacterium pseudolongum está associada a desempenho de memória superior. Ou seja, filhotes com mais desta bactéria tiveram melhor pontuação em testes de memória. Outros fatores como idade, ninhada ou sexo tiveram impacto menor do que a composição microbiana para predizer o desempenho de memória nos cães jovens.
O estudo sugere que não só em animais velhos que a microbiota importa, mas desde filhotes micróbios específicos podem modular (ou correlacionar fortemente com) performance cognitiva. Isso reforça a hipótese de que intervenções precoces, talvez com probióticos ou alimentação que favoreça certas cepas, poderiam prevenir ou retardar déficits cognitivos mais tarde.
Portanto, a modulação intestinal é uma das ferramentas mais poderosas para auxiliar pets com Alzheimer.
- Estratégias de nutrição funcional
A dieta é uma das chaves para retardar o avanço da síndrome. Uma alimentação direcionada pode: • Reduzir estresse oxidativo com antioxidantes naturais. • Oferecer energia limpa para o cérebro, como os ácidos graxos de cadeia média. • Melhorar a microbiota intestinal com fibras e prebióticos.
Nutrientes de destaque: • Ômega-3 (EPA/DHA): presentes no óleo de peixe ou krill, melhoram a plasticidade neuronal. • Ácidos graxos de cadeia média (óleo de coco): servem como combustível alternativo para os neurônios, favorecendo cognição. • Polifenóis (mirtilo, cúrcuma, chá verde): potentes antioxidantes que reduzem inflamação cerebral. • Vitaminas do complexo B: especialmente B6, B9 e B12, essenciais para neurotransmissores. • Triptofano: precursor da serotonina, auxilia no equilíbrio emocional.
- O papel dos nutracêuticos
O uso contínuo e orientado de nutracêuticos pode proporcionar: • Melhora no sono e no equilíbrio do ciclo dia-noite. • Redução de comportamentos ansiosos ou repetitivos. • Aumento da interação com o tutor e com o ambiente. • Retardo da progressão da doença.
Além da dieta, nutracêuticos podem potencializar a melhora do quadro clínico.
O uso deve sempre ser orientado por um médico veterinário especializado em ortomolecular ,nutrição e saúde integrativa.
- Resultados possíveis e qualidade de vida
Embora não exista cura para o Alzheimer em pets, a combinação de modulação intestinal, dieta funcional e suplementação nutracêutica pode trazer ganhos reais, como:
• Melhora na interação com a família.
• Redução de comportamentos ansiosos.
• Sono mais equilibrado.
• Aumento da disposição e interesse pelo ambiente.
• Retardo da progressão da doença.
Esses avanços representam mais tempo de qualidade ao lado do tutor, o que é o maior objetivo.
O Alzheimer em cães e gatos é uma condição cada vez mais reconhecida na medicina veterinária. E, embora seja progressiva, é possível agir de forma preventiva e terapêutica.
O cuidado não se limita a medicamentos: passa pela alimentação, modulação intestinal e uso inteligente de nutracêuticos. O tutor tem papel fundamental nesse processo, garantindo que o pet tenha não apenas mais anos de vida, mas principalmente mais vida nos anos.
Checklist de sinais para ficar atento:
• Meu pet anda em círculos sem motivo?
• Está trocando o dia pela noite?
• Parece se perder dentro de casa?
• Esqueceu comandos básicos?
• Ficou mais ansioso ou irritado?
Se sim, pode ser hora de buscar avaliação com um veterinário especializado em geriatria e saúde integrativa.
Dra Glauce Carreira, especializada em Ortomolecular e Alimentação Funcional com formação em Modulação Intestinal. CEO do Instituto Wellness Pet em Sp/capital.